A equipe organizou exibição de filmes em escolas, sempre seguidas de debates sobre o tema paternidade

Como jovens e adolescentes veem paternidade e relações familiares? E o que mulheres e mães pensam sobre o assunto? O tema, e os vários aspectos que ele envolve, tem sido objeto de um grupo de pesquisadoras do Núcleo de Pesquisa em Cultura, Identidade e Subjetividade (Cultis), da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Com o projeto “Sem nome do pai”, as professoras Alessandra de Andrade Rinaldi, Naara Luna, Carly Machado, Sabrina Sant’Anna e Patrícia Reinheimer, todas do Cultis, com a colaboração da professora Ana Paula Alves Ribeiro, da mesma universidade, procuraram não apenas entender como a questão é vista no município de Seropédica, onde está instalado o campus da universidade, como também discuti-las em produção audiovisual. Com recursos do edital Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico Regional (DCTR), da FAPERJ, elas desenvolveram cinedebates e oficinas para a produção de vídeos com alunos de escolas públicas locais.

“Organizamos a exibição de dois filmes: Cidade dos Homens, de Paulo Morelli, na Escola Estadual Presidente Dutra, em que o público-alvo foram os estudantes de ensino médio; e Linha de Passe, de Walter Sales e Daniela Thomas, no CIEP Nelson Antelo Romar, voltado para a educação de jovens e adultos. No primeiro, os personagens Laranjinha e Acerola, amigos de infância que cresceram juntos em uma favela carioca, vivem dois aspectos diferentes da paternidade: apesar de seus 18 anos, Acerola já é pai e se ressente da paternidade precoce. Já Laranjinha está à procura do pai que nunca conheceu. Em Linha de Passe, fica-se conhecendo a família chefiada por Cleuza, empregada doméstica, que vive com quatro filhos: Reginaldo, que busca obsessivamente o pai cuja identidade desconhece; Dario, que sonha em ser jogador de futebol; Dinho, dedicado à religião; e Denis, que se torna pai sem ter planejado. Em ambos os filmes, que foram seguidos de debates, estão presentes questões como herança, patrimônio, gênero e cidade.

“Na escolha das escolas também quisemos encontrar não só jovens e adolescentes, mas também mães que tivessem, ou não, filhos sem registro paterno. Queríamos abordar os múltiplos sentidos sobre presença ou ausência de um pai no âmbito familiar. Numa segunda etapa, após essa sensibilização, realizamos, durante dois meses e meio, uma oficina de produção audiovisual”, contam as pesquisadoras. No decorrer do projeto, coordenado por Alessandra Rinaldi, identificou-se a inexistência de pontos de cultura no município e, consequentemente, a necessidade de criação de um deles. “Visamos não somente uma perspectiva de sustentabilidade social quanto a multiplicação da proposta”, explica Naara.

Durante os cinedebates realizados nas escolas, a equipe aplicou um questionário em que os estudantes deixavam seus contatos para futuras entrevistas e para a participação nas oficinas de vídeo. “Além das oficinas, nossa proposta visava subsidiar o mapeamento da questão do sub-registro paterno e as distintas modalidades de arranjos familiares. Muitos manifestaram interesse e se dispuseram a dar entrevistas. Mas a grande maioria não compareceu”, fala Alessandra. Pelo que avaliaram as pesquisadoras, o fato de haver decorrido meses entre a realização dos cinedebates e o retorno da equipe para as entrevistas pode ter dificultado a adesão dos jovens. “E creio que falar sobre suas famílias com pessoas que pouco conheciam também pode ter dificultado o contato. Esse distanciamento, no entanto, diminuiu com o contato mais estreito durante as oficinas”, acrescentaram Patrícia e Carly.
Mesmo assim, cerca de 110 pessoas passaram pela oficina, embora apenas em torno de 40 a tenham feito integralmente. “Nela, também debatemos questões referentes à memória e a ética no uso de imagens, e desenvolvemos reflexões sobre desenvolvimento tecnológico e seu impacto na produção de vídeos. A oficina foi prática e os participantes tiveram a oportunidade de desenvolver os trabalhos, apresentados da forma que lhes conviesse. Por esse olhar, aprendemos a conhecer a cidade, a universidade e as formas dos participantes se relacionarem com suas famílias. Encerramos esse primeiro módulo com uma mostra de fotos e vídeos em que foram apresentados os trabalhos desenvolvidos na quarta-feira passada, 28 de novembro, na universidade. Mas temos um próximo módulo, previsto para 2012”, comenta Ana Paula. No segundo módulo do projeto, será feito registro de imagens para um documentário, enquanto no terceiro, haverá produção de roteiro e edição do material.

Segundo as pesquisadoras, os participantes dos cinedebates se envolveram na temática a ponto de fazer declarações sobre suas experiências pessoais de contato, da falta ou do desejo desse contato com os pais. “Suas falas estiveram sempre amparadas na idealização paterna, ancoradas, ao mesmo tempo, numa demanda social por esse vínculo, o que acabava por produzir ou reforçar a ausência dessa figura ideal”, comenta Patrícia.

Noções tradicionais sobre família e papéis sociais

Para Alessandra, um dos fatos que chamou atenção foi que, entre os alunos que participaram dos debates, prevalece a noção de que a família se fundamenta nas tradicionais distinções entre os gêneros, materializadas nos papéis assimétricos de pais e mães, exercidos preferencialmente por homens e mulheres. “A mãe é responsável pela constituição psíquica dos componentes da família, ou seja, lhe cabe a incumbência da educação moral e dos cuidados com a prole. É um dos motivos pelos quais a maternidade se impõe em relação aos projetos pessoais que as mulheres teriam para suas vidas, como estudo e trabalho”, explicam. Ao pai compete a ordenação e normatização do mundo. A eles cabe a responsabilidade da provisão material, da transmissão do nome e da autoridade, como um veiculo de reprodução de um mundo estruturado sobre uma dominação masculina. Segundo uma das entrevistadas, “o pai sempre tem aquela responsabilidade de criar, de dar o nome, né? O pai (…), acho que é autoridade. Ensina os caminhos certos. Diz o que é o certo e o que é errado. É modelo como homem, né?

Para as pesquisadoras, essas respostas podem se dever ao fato de que, nesse público, 60,4% convivem regularmente com pais e mães; 34,9% não mantêm contato com um dos seus genitores; 4,7% não se relacionam com nenhum dos dois. Dentre os que não convivem com os genitores, 31,2 % não mantêm contato com o pai e 3,7% não veem suas mães. “Também se pode pressupor que os alunos produziam discursos idealizados, seguindo padrões que imaginavam que queríamos encontrar entre eles”, explica a coordenadora.

Entre esses jovens participantes, por exemplo, ‘família’ significa uma espécie de alicerce, uma base de sustentação que tanto formará aqueles que futuramente se transformarão em pais e mães – entendendo-se que o exercício adequado desses papéis dependerá da forma como foram transmitidos por seus ascendentes – quanto possibilitará a esses mesmos sujeitos ingressarem na vida social. Como mostra a fala de uma jovem aluna da Escola Estadual Presidente Dutra sobre as razões que levariam os rapazes a assumirem ou não uma paternidade imprevista: “Depende da estrutura do garoto. Para mim, depende da estrutura familiar. Se ele tem uma cabeça boa e vem de uma família que tem um pai, que tem uma mãe, que tem um tio, que tem uma pessoa para falar por ele, seja lá qual idade que o homem tiver, ele vai assumir.” Outra aluna da mesma escola afirma: “Acho que a família é a base de tudo, né? Por isso me casei. Eu não achava certo criar meus filhos com meus pais. Até porque se eu fosse morar em outro canto eles teriam a liberdade deles e eu a minha, né? Meus pais queriam até que eu criasse a criança junto com eles e não casasse, mas optei por constituir uma família mesmo, já que eu gostava dele (marido) e ele gostava de mim.” Para a pesquisadoras, sua visão de família reproduz, de certo modo, a ótica corrente em nossa sociedade de que família é o lugar autorizado para amor e para a sexualidade.

Para alguns dos que estiveram nos cine debates o fato de alguém não ter todas as informações sobre sua ascendência ou possuir apenas parte delas faz deste um ser humano “pela metade”. Por isso, descobrir a existência de um pai, chegar até ele e ser reconhecido como filho representa uma “completude”, como expressou uma aluna do Ciep: “No dia que você conhece seu pai, vê que ele tem metade de você. Quando conhece o seu pai, conhece os familiares do seu pai, os primos, o tio, o avô (… ). Só quem vive isso sabe o que é. Não, não é saudade. É uma falta que ocupa tudo.”

Todo o material reunido nas oficinas servirá de base para o documentário que a equipe pretende produzir junto com os jovens da pesquisa. Esse material também permitiu à equipe de pesquisadoras ter uma visão extremamente refinada sobre a relação entre a universidade, Seropédica e as experiências familiares que ali se desenvolvem. “É a partir dessas relações que em janeiro vamos voltar a trabalhar com o grupo que participou da oficina para produzir as imagens que serão usadas na composição do roteiro”, planejam. Dessa forma, esperam colocar no documentário um retrato bem fiel do que pensam os jovens de Seropédica sobre todas essas questões. “Acho que o documentário será uma parte bastante interessante do projeto, sobre sentido de paternidade e sentido de família. Vivenciado ou não, esse modelo tradicional ainda assombra. E o melhor de tudo é que será um trabalho todo feito por esses jovens, expressando sua visão de mundo.”

Publicado na FAPERJ em 06/12/2012
http://www.faperj.br/?id=2350.2.0